quarta-feira, 6 de julho de 2011

Herança



Confesso que havia em mim uma implicância injustificada com o título da famosa obra de Moacyr Scliar, O Centauro no Jardim. Obra rica de simbologia, certamente. Não era isso o que me incomodava e muito menos qualquer falta de qualidade nos escritos desse grande homem da literatura nacional... mas, um centauro?! Dentre tantos seres da mitologia grega, esse era o que mais completamente me  desagradava e havia de mim em relação a ele uma antipatia gratuita. Não gostava do centauro. Criatura mais estranha! Mas gostava muito do trabalho de Scliar, e numa noite afortunada parei para ouvi-lo...

Feira do Livro de Santa Maria, outubro de 2010. Eu não imaginava que aquela seria minha última oportunidade de ouvir e aprender com Moacyr Scliar, antes de sua partida deste estágio de vida. Diante de platéia atenta, ele discorria sobre sua obra e, naturalmente, chegou ao centauro. O que eu não imaginava é que o “bicho” incomodava mais gente por ali, pois a pergunta lançada foi justamente essa: por que um centauro, entre uma infinidade de seres mitológicos à disposição? E a resposta não poderia ser mais desconcertante: foi exatamente esse o ser que nasceu dentro de mim em algum momento de minha trajetória, começou a galopar, e nunca mais parou.  

Eu não precisava ouvir mais nada naquela noite. A antipatia não era gratuita, mas uma rejeição natural a um ser que, sem ser convidado, andava a galopes dentro de mim. Queria expulsá-lo. Mas, forte e resistente, historicamente acostumado à rejeição, ele não somente ignorou meus protestos, mas fez-me ouvir, sobretudo no silêncio das madrugadas, o impacto de seu movimento, para lá e para cá, dentro de minha mente. Negá-lo é declarar guerra a ele, que de qualquer modo não irá embora.  Aceitá-lo é responder afirmativamente a um delicioso convite para explorar a galope terras desconhecidas, estradas nunca cruzadas... sob sério risco de incompreensão!

Sábio Moacyr Scliar que me inspira nesta noite! Nasceu escritor, formou-se médico, partiu desta vida Imortal, assinando vasta e diversa obra. Brilhante caminho profissional percorrido. Vejo seus passos seguros se perderem de vista a minha frente, na direção do horizonte... Mas ficou algo para trás, deixou-me como herança este centauro galopante!

E agora, que faço eu com ele?!

Suzy Rhoden
Gravataí, 06 de julho de 2011

Um comentário:

  1. rsrs, também não sou chegada em Centauro, mas adoro Scliar! Saudades de suas entrevistas, de suas histórias encantadoras e de suas crônicas que muito me ensinaram. E sobretudo de sua postura nada arrogante como escritor, este foi o mais forte marco de sua herança. Gostei muito deste seu texto, Suzy.
    E continuando com Scliar, você vai adorar um conto dele: o Turista Secreto.

    Clique aqui:
    http:pedrolusodcarvalho.blogspot.com/2010/12/moacyr-scliar-os-turistas-secretos.html

    Um beijo
    Tais Luso

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