sábado, 16 de julho de 2011

O amor aos 17 anos...


Eu, ontem, conversava com uma amiga desolada pelo fim de um relacionamento. Apenas um mês de namoro, e virtual, nunca se viram pessoalmente. Mas entendo que tenha significado tanto para ela – esses amores da juventude são cheios de significados! Também tive os meus... Todos tiveram seu propósito. E os dias contados. Lembro de um que durou bastante, em torno de um ano. Foi um longo relacionamento, no que diferia do caso desta minha amiga. Mas ela levava vantagem em outro quesito: seu par romântico sabia que havia algo entre eles, o meu não. Desconsiderando isso, foi o romance perfeito.

            A aula já ia pela metade, quando a porta se abriu e ele entrou, imponente. Nenhum sorriso para a classe, nenhum cumprimento. Com passos seguros avançou até a carteira exatamente em frente à mesa do professor, onde, com a maior arrogância de que consigo lembrar, transmitiu ao mestre algo que parecia mais um lembrete do que uma explicação para o atraso: venho de uma cobertura jornalística. Isso esclarecia o porquê da camisa social e da gravata em uma simples aula de Radio Jornalismo, no começo do semestre. E foi o suficiente para arrebatar o coração desta humilde estudante de Letras, em seus 17 anos, que foi parar quase que por acaso entre alunos formandos do curso de Comunicação Social.

            Foi o típico amor à primeira vista. Mas não o primeiro amor, que fique claro, pois eu já tinha tido uns dez amores desse mesmo tipo. Ele, porém, eu tinha certeza: era o homem da minha vida! Num semestre inteiro, não faltei a nenhuma aula. Não que minha presença fosse obrigatória, muito pelo contrário: eu era apenas uma aluna extracurricular que queria conhecer de perto a realidade do Jornalismo. Mas ele faltou muitas e muitas vezes, e quando estava presente não fazia a menor diferença, pois deixava muito nítida a impressão de que sequer desconfiava da minha existência.

            Isso até Balzac – e desse tempo vem meu amor absoluto pela literatura, sobretudo pela clássica – vir tirar-me do anonimato. Sim, Honoré de Balzac, o próprio. Eu lia contrariada sua obra Eugênia Grandet, haja vista os tantos trabalhos pendentes para as tantas literaturas que eu fazia na faculdade, quando  surgiu meu amado em minha frente e, atraído pela cultura resplandecente que havia em mim naquela manhã, dirigiu-me pela primeira vez a palavra:  "Tu lês Balzac! Quanta cultura!" Não preciso nem dizer que a partir de então eu comparecia às aulas de Rádio munida de tantos exemplares clássicos quanto podia, e, no menor intervalo entre as atividades, me punha a ler.

            O romance evoluiu, eu já tinha direito a um “oi” do meu amor e de vez em quando até recebia um “tudo bem?” Meu encantamento era total por ele, mas em minha amizade com as novas colegas descobri que não estava só: fãs não lhe faltavam, inclusive entre elas.  Será mania de mulher encafifar com o inatingível?! Pois ele dispensava a elas o mesmo tratamento que a mim... E lá estava ele, absoluto, colecionando corações!

            Fui de todas a mais persistente, acredito. Amei desde o primeiro dia. Amei com intensidade. E tamanha era a magia que criei em volta desse amor, que a qualquer tempo eu ia buscá-lo com meus pensamentos: bastava pensar nele com um pouco mais de saudade, e ele aparecia! Verdade, vivemos uma série de encontros inusitados, nos mais estranhos lugares, nos mais intrigantes horários. Parecia mesmo haver um ímã invisível: eu pensava e ele, coitado, era atraído.

Um desses momentos ficou marcado: na cozinha da Rádio Universidade, durante  apresentação ao vivo de um programa mediado por alunos de nossa classe, me refugiei para tomar água e pensar nele, que nessa aula não estava presente. Bastou pensar e olhar para a porta, para vê-lo entrar com seu nariz empinado. Mas nesse dia foi diferente, pela primeira vez vi algo de humano por trás da máscara que criei para ele de príncipe encantado. Ele olhou para mim e sorriu desconsertado, enquanto tirava rapidamente os óculos - dos quais parecia ter vergonha, e me cumprimentava. Foi incrível vê-lo de certa forma vulnerável! Não avançamos em palavras, mas em meu coração senti que seus olhos tinham finalmente me encontrado.

Depois dessa parte, só cabe o desfecho da história. Ele se deu numa tarde fria e nublada de Santa Maria, contrariando os dias românticos que juntam os apaixonados. Nesse dia, para azar meu, até ventar ventava! Minha roupa não poderia ser mais básica e comum, nem sequer as elegantes botas de inverno eu usava. Calçava  tênis, que não contribuía em nada para minha estatura. Também não estava maquiada, e dispensei o retoque nos cabelos em função do vento forte, quando desci para comprar salsichas no mercado da esquina. Normalmente não iria até a janela nesse estado deplorável, mas nesse dia a saída seria breve  e específica, por isso deixei a vaidade em casa. Que decisão lamentável! Soube disso quando, ao esticar meus dedos para pegar os congelados, senti eles serem sutilmente tocados. Não, não poderia ser verdade! Bem ali, ao meu lado, no meu dia de gata borralheira comprando salsichas, estava meu príncipe encantado! Sumiu minha voz, faltou-me o chão, senti-me traída pelo destino e golpeada pela ironia da vida. Triste fim de um amor... culpa das salsichas!

Não, não foi esse o fim ainda. De seus lábios ouvi estarrecida: “Você está linda! Podemos marcar um encontro nesta semana?” Esse sim foi o fim. Eu não estava preparada, eu não queria. Que fazer de um amor platônico quando ele se torna real?! Ele perde todo seu charme, sua magia... ele se perde, para sempre! Assim meu amor eterno naquele mesmo momento se perdeu. Foi-se todo encanto. Ficou dele somente este conto: há amores que nascem para nunca serem vividos, porque se forem, aí mesmo terão perecido. Geralmente é assim, perfeito, o amor aos 17 anos.

Suzy Rhoden
Gravataí, 16 de julho de 2011

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