Vinicius
de Moraes começou oficialmente a discussão quando lançou seu famoso pedido de
perdão às ‘muito feias’, afirmando que ‘beleza é fundamental’. E a discussão
perdura até hoje. Nesta semana, por exemplo, um grupo de amigos e eu viajamos
nas possibilidades que esse assunto suscita. A divergência de opiniões fez
nascer esta crônica: será que a beleza é mesmo fundamental?
Minha
experiência pessoal diz que não. Ser uma beldade não me fez falta alguma. A
feiúra é que me trouxe muitos benefícios, por sinal. Lembro de um episódio na adolescência, quando as colegas de aula começaram a externar seu interesse
pelo sexo masculino. Reuniam-se à hora do recreio para compartilhar seus
segredinhos amorosos e tecer comentários
a respeito do jogo de futebol do fim de semana – única atividade significativa para
os jovens na vila, interior do RS. Claro
que ‘as bonitas’ não estavam interessadas no jogo, e sim nos jogadores. E nós,
‘as feias’, não dávamos atenção nem a um, nem a outro. Nossos assuntos eram
livros, música e televisão, coisa muito estranha para garotas naquela região.
Motivo que levou uma professora atenta a
procurar nossas mães – éramos 2 feias assumidas – e sugerir tratamento
psicológico, pois nosso comportamento era definitivamente distinto do das
jovens de nossa idade. Para espanto da professora, nossas mães se entreolharam
e uma disse a outra: não te falei, comadre, que nossas filhas nos dariam muito
orgulho? As ‘muito bonitas’ que me perdoem, mas continuam na vila até hoje,
acomodadas com seu entretenimento semanal. As ‘feias’ partiram para estudar e
realizar sonhos.
Mas
minha vida não foi só de estudos. As feias também amam! Ainda na vila, porém
não tão precocemente graças à falta de
beleza, tive meu primeiro namoradinho. Acredite quem quiser, mas era
justamente um dos craques do time, e o
mais cobiçado pelas meninas. Nunca tive tantas inimigas na vida! Pois pior do
que a rejeição em si, para uma bela jovem, é perder o alvo dos seus desejos
para uma feia. O segredo da conquista eu desconheço. Mas certamente não foram
meus olhos verdes, já que não os possuo. Desconfio de algo, contudo: o tempo
que não perdi a frente do espelho reclamando de minha feiúra, e muito menos por
razões narcisistas, foi empregado de alguma forma mais inteligente.
A
esta altura, sei que surgirá uma boa alma para afirmar que não sou assim tão
feia quanto faço parecer nesta crônica. E essa observação vem bem a calhar com
meu objetivo: mostrar que beleza física é coisa totalmente relativa. Uns
concordariam sem pestanejar com minha feiúra, outros se arriscariam a mencionar
alguns traços belos e um só se levantaria para me qualificar como beldade, rara
em formosura e musa de seus poemas: meu esposo. Para ele, que me escolheu, não
tenho dúvidas de que sou sumamente bela. Portanto, nessas condições – e somente nessas - beleza
é, sim, fundamental!
O
espelho é traidor, não devemos confiar integralmente nele. Ou dirá que existem
milhares de outras mais belas, provocando em nós crises de isolamento e
depressão; ou reforçará em nós a vaidade, fazendo-nos crer numa beleza suprema
e absoluta que na verdade não existe. Por que é tão difícil aceitarmos a nós
mesmas como únicas e incomparáveis? Por que insistimos em seguir um padrão,
tirando aqui, acrescentando ali, fazendo tudo para ficarmos cada vez mais iguais e portanto mais comuns?! Não
compreendo isso, não aceito essa insatisfação feminina. Por ser mais uma vez a
divergente, numa sociedade que reverencia traços físicos sobrepondo-os aos de
caráter, fico à espera da professora que virá sugerir a mim tratamento
psicológico, pois eu é que sou a louca – além de feia, considerando os padrões
convencionais.
Meu
olhar nessa questão vai além do que sugere a estética. Existe, sim, a beleza
que agrada aos olhos e isso é muito bom. Mas ser somente bela é um problema. É
preciso existir também um refinamento, uma delicadeza em gestos e palavras. E
depois de agradar aos olhos, ainda é preciso agradar a alma com outra forma de
beleza: a virtude. Essa vem realçar e dar vida a primeira. Trata-se da conduta
inquestionável, baseada em elevados padrões morais, que faz com que traços
comuns brilhem numa mulher, tornando-a única e distinta. A harmonia que se
percebe nesse conjunto é o que melhor define para mim a verdadeira beleza. E
ela está acessível a todas que tenham um mínimo de vaidade para cuidarem do
corpo, e uma boa dose de bom senso para substituírem a vulgaridade pelo que é
digno e refinado – em palavras, atos e vestuário.
Daí
vem minha conclusão: Vinicius de Moraes e as ‘somente belas’ que me perdoem,
mas VIRTUDE é fundamental!
Suzy Rhoden
Gravataí, 25 de setembro de 2011