quinta-feira, 25 de julho de 2013

Iracema, a Mulher Iracunda


Iracema, mulher de temperamento forte, dispensa descrição física: ninguém se dá conta se é gorda ou magra, alta ou baixa, feia ou bonita, pois seu gênio sempre exaltado se sobressai a qualquer outra qualificação que possa ser feita de sua pessoa.
Como toda mulher geniosa, casou-se com homem que não tem boca pra nada: Pacífico é seu nome.
O pobre vivia como parte da mobília, que nem para decorar servia naquela casa. Estava mais para objeto de tropeço, um móvel velho e inapropriado, que por caridade não se jogava fora. É inútil e desnecessário – resmungava  Iracema pelos cantos.
As rixas de Iracema com o esposo começaram cedo, na própria noite de núpcias. Botou o marido dormir no sofá, pois não gostava do jeito que ele se enrolava como uma cobra para dormir. Não tinha postura, elegância, quando entortava daquele jeito a coluna. E ela, mulher fina por natureza, não se submeteria as manias de solteiro do marido. Ou ele dormia retinho como uma tábua, ou desocupava a cama do casal, pois aquilo não era ninho.
E em ninho transformou-se o sofá da sala, por trinta longos anos.
Em uma semana de casamento, Iracema já proclamava uma lista reclamações, todas faltas de natureza gravíssima:  portas dos armários abertas,  potinhos destampados na geladeira, toalha sobre a cama, cobertor esquecido no sofá,  acento do vaso não levantado,  meias no chão da sala,  barbeador em cima da mesa da cozinha... Pacífico pedia xingamentos! - bufava Iracema pela casa.
A mulher, soltando fogo pelas ventas, botava o dedo na cara do marido e exigia retratação imediata, pois acaso pensava que era sua escrava? O vivente não argumentava, não se rebelava, não propunha revolução interna contra a ditadura da mulher, aceitava-lhe as imposições e tratava de botar as coisas em ordem na casa.
Mas não importava o quanto Pacífico tentasse agradar, a implicância de Iracema só aumentava: vociferava quando o coitado, distraído por um instante, fazia algum ruído ao sorver a sopa! Parava o jantar e dava início ao sermão. Pacífico afundava na cadeira, e a comida esfriava.
Mas a pior de todas as crises se deu no dia em que Iracema pegou o marido no flagra, chupando uma laranja na sacada: como ele ousava enfiar a cara dentro da laranja ao invés de levar, elengantemente, gomo por gomo até a boca?! Iracema surtou, correu com o marido para os fundos de casa, completamente irada!
A história só mudou quando, num inspirado dia, Iracema encafifou que Pacífico deveria ter sido pastor. Mas de que jeito, se nem ler a bíblia aquele imprestável lia! Ela, muito beata, naturalmente passava os dias com o livro sagrado aberto sobre a mesa, discursando a respeito dele. Não existia mulher mais religiosa... na teoria!
Pacífico, para silenciar a mulher, fez o que sempre fazia: acatou a ordem, pegando a bíblia para lê-la. Mas de imediato mudou o semblante daquele homem. Os lábios, calados com expressão de muxoxo, ganharam subitamente a expressão de segredo. Pacífico passou aquele dia inteiro em profunda meditação.
Iracema percebeu a mudança e, claro, se irritou. Xingou o esposo, chamando-o de fariseu hipócrita, que lia e não cumpria com a palavra – pois continuava com os mesmos terríveis defeitos!
Pacífico não se alterou, fora milagrosamente salvo, encontrara a cura para seu mal. Olhou para a esposa furiosa e sorriu. Sabia exatamente o que fazer, ou melhor, o que não fazer: não fez as vontades de Iracema pela primeira vez na vida.
Iracema foi da ordem a suplica, pediu, mandou, implorou, gritou; por fim, recorreu ao histerismo, mas não adiantou: Pacífico não se moveu do lugar, e o sorriso misterioso de seu rosto não se apartou. Só restou à mulher, vencida, subir para o quarto, esperançosa de que o raiar de um novo dia trouxesse de volta seu bom e velho – e manipulável – Pacífico.
Na manhã seguinte, Iracema desceu as escadas resoluta, pronta para mostrar quem era que mandava naquela casa. Iria surpreendê-lo, arrancando-lhe os cobertores, e com o dedo em riste declarar o ser fracassado que ele era.  Passou a noite elencando os defeitos do marido, sabia-os de cor para jogar-lhe na cara. Ele não passava de um fraco, jamais teria  coragem para enfrentá-la!
Mas, ao erguer os cobertores, deparou-se com o  sofá vazio, sem vestígio  de Pacífico. Sobre o móvel, restava apenas um breve bilhete:
Provérbios 21:19
Intrigada, andou para a mesa onde permanecia aberta a bíblia, por trinta anos,  na mesma página de sempre. Para sua surpresa – pois nunca teve antes a curiosidade de ler o livro sobre o qual tanto discursava – percebeu  tratar-se de Provérbios, e num instante localizou o versículo 19, lendo-o em voz alta:
“É melhor morar numa terra deserta do que com a mulher rixosa e iracunda”. Um ‘OBRIGADO!’ rabiscado ao lado deixava clara a conclusão do marido.
Iracema poderia ter morrido de raiva naquele mesmo momento, mas o destino reservou algo ainda mais doloroso para  seus dias:
Iracema foi infeliz para sempre, pois não pode uma mulher rixosa e iracunda ser feliz sem um homem pacífico para atormentar.
Suzy Rhoden


sábado, 20 de julho de 2013

Para Uma Amiga Distante


Faz tempo que não a vejo.
Mas não é só o tempo que nos separa: da última vez que a vi, já estávamos distantes. E o mais paradoxal de tudo isso  é que, depois de adultas, voltamos a residir na mesma cidade... Eu, para estudar; ela, porque se casou e fixou residência no local. Nenhuma procurou a outra. Como se não houvesse uma infância em comum entre nós.
Fomos colegas desde os 6 anos, naquela escolinha do interior sobre a qual já falei em outras crônicas. Tínhamos a mesma idade, com apenas 13 dias de diferença. Eu era mais velha, coisa que ninguém acreditava: ela tinha o dobro de mim em altura e porte físico. Porém, no perfil psicológico, éramos almas idênticas.
Apaixonadas pela leitura, começamos cedo na vida uma disputa sadia: quem lia mais em menos tempo. Confesso que ela era adversária imbatível, não apenas lia, devorava! Eu, embora lesse muito, sentia a necessidade de ‘viajar’ nas obras que me caiam nas mãos, e toda viagem requer tempo... Pior pra mim, tinha que aguentar a detestável declaração: que livro você tirou hoje? Esse aí? Já li, é muito bom! Aiii, que vontade de voltar lá na biblioteca e trocar o livro!!! Não tinha pior humilhação... E, dessa maneira, ela foi o melhor incentivo de todos os tempos para a leitora que hoje sou.
Não tínhamos apenas a leitura em comum. Música, cinema, televisão, política, de tudo isso entendíamos um pouco. Se isso é o que se espera de crianças de 11, 12 anos, não era assim lá no interior: o normal  era badalar no único clube da vila, aos domingos, para ver o time da comunidade jogar. Todas as meninas normais estavam lá, menos nós. O que, naturalmente, nos colocou na classificação de estranhas, diferentes e anormais.
Preocupada com nossa atitude singular, uma professora chegou a chamar nossas mães para conversar. Disse que éramos ‘intelectualizadas’ demais para a idade e para o meio, sugeriu atendimento psicológico. Rimos tanto do episódio! Afinal, estávamos sendo criadas para sermos esposas de fazendeiros locais, não precisávamos entender de nada além daquele mundinho minúsculo e fútil sob alguns aspectos – refiro-me às badalações do fim de semana, embora compreenda que era a única fonte de diversão disponível para as meninas da comunidade.
Não aceitamos o condicionamento ao meio, e felizmente tivemos pais para nos apoiar. Desde as coisas mais simples, como os trabalhos da escola, fazíamos sempre do nosso jeito personalizado. Lembro-me, por exemplo, das apresentações de Literatura: enquanto outros grupos liam ou falavam sobre suas obras, transformávamos o enredo em música e cantávamos para a classe! Até hoje canto “A Moreninha” ao som de Peace, de Jimmy Cliff. Estávamos sempre em busca de outras formas de expressão, ampliávamos nossas possibilidades de comunicação, e isso preencheu-me de amor pelos estudos.
Uma de nossas atividades favoritas era a paródia: passávamos o recreio criando letras para músicas conhecidas, maioria delas criticando o sistema. Na época do ‘Fora Collor’, éramos pequenas para sair ruas afora pintadas de verde-amarelo, mas lembro vividamente de termos escrito Olha, Collor!, numa paródia da música Olha, Amor!, de Gian e Giovani.
Fazíamos tanto sucesso com nossas paródias, que certa vez inventamos uma letra e saímos cantando pelos corredores da escola, dizendo ser o último lançamento do grupo Polegar. Em breve, o refrão de nossa música  era cantado em coro, despertando até mesmo a curiosidade dos professores em relação ao hit do momento. O mais engraçado foi ouvir comentários do tipo: ouvi essa música tocar na rádio hoje! Rimos litros, só não entendo porque não emplacamos de imediato a carreira de compositoras.  O Polegar estaria na ativa até hoje, se dependesse do nosso marketing...
A vida de compositoras não nos satisfez: inventamos de participar, como dupla, de um concurso local de música tradicionalista gaúcha. Para surpresa geral da nação, fomos selecionadas e nos apresentamos na noite principal do evento! Mas no palco caiu a ficha e o fiasco foi total: tudo que deu certo na fase seletiva faltou na noite de apresentações, só não fomos vaiadas porque o povo joiense – quem reside em Jóia, nossa cidade natal - é muito  educado. Melhor continuarmos compondo para o Polegar...
Quem olha para um passado tão vasto de lembranças, não acredita num presente infrutífero no solo de nossa amizade. Como permitimos?! Como dupla sertaneja que não deu certo, seguimos cada uma para um lado, em carreira solo.
Duvido, porém, que façamos tanto sucesso quanto fizemos juntas! Duvido que, em algum outro momento de nossa vida, tenhamos juntado tantos amigos a nossa volta como naquela tarde de junho em que tomamos posse da parte central da praça de São Pedro e determinamos: ninguém passa por aqui sem cantar um Blues! Fomos ousadas, no fundo acreditávamos que seríamos linchadas. Mas, ao invés disso, terminamos a tarde com uma plateia cantante ao nosso redor, uníssonos no mesmo convite a todos que passavam.
Tínhamos 10 anos, no máximo 12. Temos mais de 30 agora. Onde ficaram os 20 anos que nos separaram?! Neste Dia do Amigo, eu gostaria muito de saber. Ainda te amo, Valdéris!

Suzy Rhoden

domingo, 14 de julho de 2013

Pais e Filhos: Quando os Papéis se Invertem

Imagem meramente ilustrativa, retirada da internet

Nesta semana, recebi visita VIP: mamãe.
Quem tem mãe residente em cidade distante, sabe o quanto significam esses momentos. A vontade é congelar o calendário, para que a data da despedida nunca chegue, e elas permaneçam para sempre alegrando os netos e dando o colo que nós, bem crescidinhos, insistimos em continuar a receber. Minha mãe veio exatamente com essa disposição, tomou conta da casa, dos netos, de tudo – tive uma semana celestial!
No entanto, um contratempo inverteu os papéis: minha mãe adoeceu. Devido ao tempo chuvoso, permaneceu de repouso o dia inteiro, e a mim coube o privilégio de preparar e servir-lhe na cama uma canja, tal qual ela fazia por mim em outros tempos. O incidente gerou em mim profunda reflexão.
Recordei os  tempos vividos na companhia dessa maravilhosa mãe. Quantas noites, acordei com ela ao pé da cama, sussurrando meu nome para que eu acordasse de um pesadelo que me angustiava! E depois permanecia, por horas intermináveis, segurando minha mão até os monstros irem todos embora, sem que eu jamais a tenha flagrado olhando ansiosa para o relógio. Sempre foi completa, plena, inteira em sua dedicação. Secretamente, eu acreditava ser a filha preferida – e assim pensava intimamente cada um de meus irmãos, pois ela sempre fez cada um se sentir especial.
Se não precisou amanhecer comigo nos braços, em estado febril, fez isso infatigavelmente, centenas de vezes, por meu irmão em suas crises de asma. Se estava cansada, seu cansaço não afetava o humor e nem sua paciência conosco: tratava-nos com respeito e amor.
Embora firme, não lembro de censurar-nos aos gritos: seu método era o diálogo, priorizava a boa comunicação. Por esse motivo, nunca tivemos sérios problemas com mentiras em  casa: ela confiava em mim e em meus irmãos, e nós confiávamos nela; sabíamos que em seus conselhos havia sabedoria e poderíamos confiar integralmente.
Com base nessa educação, tão logo fiz 17 anos, minha mãe fez minha malinha e enviou-me para fazer a faculdade na ‘cidade grande’. Alguns diziam: como tem coragem de deixar sua filha sozinha, tão longe de casa, tomando suas próprias decisões em plena adolescência?! Coragem ela tinha, e fé em Deus, a quem orava diariamente  para que me mantivesse no bom caminho – o caminho da integridade, que ela me ensinou desde o berço a trilhar.
O tempo passou e com ele veio uma compreensão inequívoca: de repente, os papéis começam a se inverter. Minha mãe, que tantas vezes me serviu, me orientou, me fortaleceu, já não tem o mesmo vigor físico de outrora. Dores que nunca existiram começam a incomodar, fragilidades insistem em aparecer. É a mesma mãezinha prestativa de outros tempos, que ainda me dá colo, com a diferença de que cresci e agora posso ofertar-lhe meu colo também!
Para alguns, essa descoberta de que os pais da gente – sobretudo a mãe – começam  a envelhecer é assustadora. Para mim, esta é uma maravilhosa manifestação do ciclo da vida. A maravilha não está no fato de o corpo, pouco a pouco, perecer, mas na oportunidade de retribuirmos, àqueles que nos amaram mais do que a si mesmos, um pouco de tudo que fizeram por nós. O ciclo seguirá e, algum dia, chegará também a nossa vez.
Um curso recente, para atualização profissional, reforçou em mim esses pensamentos ao ouvir da palestrante – a psicóloga e investigadora de polícia, Suzana Braun – que o método educativo escolhido pelos pais lhes será devolvido, salvo raras exceções, na maturidade . Isto é,  pais que educam  filhos aos gritos,  poderão esperar xingamentos e tratamento aos berros quando estiverem em idade avançada. Por outro lado, filhos educados com bondade e respeito, exercerão a mesma paciência com seus idosos. Portanto, no decurso do tempo, refletimos aquilo que aprendemos e vivemos no lar.
A sopinha de hoje marca o início de novos tempos. Que bênção poder cuidar de minha genitora, que já fez e faz tanto por mim! E, a considerar o método escolhido por minha mãe em nossa infância, ela pode ficar tranqüila: terá três filhos disputando oportunidades para servi-la. Pois se tem algo que ela fez com excelência nesta vida, foi servir-nos com perfeito amor. O amor, portanto, será sua recompensa.

Suzy Rhoden

domingo, 7 de julho de 2013

Reencontro

Um encontro inesperado marcou minha última sexta-feira.
Qual a probabilidade de, em pleno centro histórico de Porto Alegre, me deparar com uma colega de faculdade, residente no interior do estado, a quem não via há anos? Mínima, claro. Mas não para mim, conforme comprova o relato seguinte.
A colega em questão deixou Santa Maria, onde estudamos juntas, rumo a sua cidade natal, na região Noroeste do estado. E eu andei por terras mineiras, depois retornei ao Rio Grande do Sul, onde morei em duas cidades diferentes, vindo a residir finalmente na região Metropolitana. Nunca mais nos vimos, não nos falamos, não nos escrevemos. E então, num dia qualquer de julho, um Fórum na área da Educação e um curso voltado para a Segurança Pública, ambos em Porto Alegre, vieram a unir nossos destinos.
Naturalmente, ela não foi a primeira colega que reencontrei em tantos anos. O que distingue este encontro, contudo, é o fato de termos sido grandes amigas no passado, companheiras, dupla nos estudos e na vida. Por sinal, éramos parceiras muito bem-sucedidas nos trabalhos de aula: eu, subjetiva, me estendia nos relatórios com minha habilidade para a escrita; Ela, objetiva, cortava meus floreios, deixava o texto no ponto para o 10, que sempre cobiçávamos. Funcionávamos perfeitamente bem, uma não se metia na habilidade da outra, éramos eficientes e eficazes. Fomos uma dupla nota 10, de fato, inclusive no estágio  final de curso!
Agora me pergunto: como é que uma amizade dessa proporção simplesmente se perdeu no tempo e na distância?! Por que perdemos contato uma com a outra? Como permitimos isso, em plena era virtual? Não existe explicação, não há justificativa. Simplesmente aconteceu – e quase sempre acontece, infelizmente.
O destino deu-nos uma chance, isso ficou evidente. Colocou-nos na mesma rua, uma andando em direção a outra, no meio de uma multidão. O centro histórico fervilha às 18h, poderíamos ter passado lado a lado sem sequer nos reconhecermos.  
Mas, transcorridos treze anos, nos cumprimentamos com a mesma intimidade – apesar da surpresa – dos  tempos de outrora: diante de mim estava minha colega, minha dupla, minha amiga! Que alegria! Levava o mesmo sorriso discreto, a mesma serenidade nos olhos azuis; a fala bem articulada, em tom suave, acompanhada de gestos elegantes, nada disso mudou.  Conversamos como se tivéssemos nos falado ontem, com a mesma naturalidade.
Minha conclusão: a distância não corrompe os verdadeiros sentimentos nem as verdadeiras amizades. Ao invés disso, age para eternizá-las, intocadas, à espera de uma oportunidade futura. Talvez essa oportunidade nunca venha, e fiquemos apenas com as doces lembranças.
Ou então nos depararemos com a pessoa, quase 15 anos depois, em plena sexta-feira, no horário mais movimentado do dia, frente ao Mercado Público – símbolo  maior do patrimônio cultural de Porto Alegre. E, esse local, no dia seguinte, estará lastimavelmente em chamas.
O incomum, definitivamente, é a regra pra mim!
06/07/2013 - Mercado Público de Porto Alegre em chamas - Lamentável!!!
Suzy Rhoden

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Corujices


Eu sei, é coisa de mãe coruja. Mas preciso contar, as corujas me entenderão e perdoarão o exagero na emotividade: minha princesinha, a caçulinha da casa, escreveu seu nome, sozinha, pela primeira vez, neste domingo! Talvez ela nem seja tão precoce quanto meus olhos encantados imaginam – fez 4 anos semana passada – mas é cheia de iniciativa e isso me infla de orgulho.
O acontecimento me fez voltar no tempo e relembrar as descobertas de meus dois meninos, cada um ao seu tempo. Que alegria extrema foi vê-los abrindo as portas mágicas do mundo das palavras! Arthur começou cedo, antes de 1 ano de idade reconhecia o A de seu nome nos outdoors, apontava para a letra e dizia maravilhado A – Aaaaaaart – pois era assim que ele se apresentava, reforçando o A inicial de seu nome.
Naturalmente, foi presenteado com o alfabeto em versão lúdica e brincar com letrinhas passou a ser sua ocupação preferida. Começou a ler por sua própria iniciativa e hoje, em casa, me convida diariamente para brincar de fazer rimas. Na escola, a professora disse que um dia será escritor, referindo-se à qualidade de seus escritos. É alegria demais para uma mãe!
Como fui alertada de que um filho é diferente do outro, nada projetei sobre Gabriel. Minha intenção era dar a ele liberdade para fazer suas próprias descobertas, sem cobranças, sem comparações. Por esse motivo, quando pensei em começar a introduzir meu garoto no mundo das palavras escritas, ele me surpreendeu: mãe, já sei ler faz tempo! E, para minha surpresa, tinha idade inferior a de Arthur, quando viveu a mesma experiência.
Chegou a vez de Sofia e, confesso, chegou ainda mais cedo do que eu imaginava! Reproduziu seu nome, copiando as letras. Mas sabia o que estava escrevendo e soletrava letra por letra, caprichando no traçado. Percebi que, ao copiar o I, não fazia cópia idêntica, mas já deixava ali traços de sua personalidade: fazia um risco e uma bola proporcional em cima, ao invés de simplesmente reproduzir o pingo que eu havia feito. Mostrou que tem estilo e que é adepta das variações. Escreveu muitas vezes seu nome, com os olhos brilhando de felicidade pela descoberta.
Nesta segunda-feira, recepcionou-me do curso que estou fazendo com um caderno inteiro de Sofias, todos escritos por ela, com letra impecável, e respeitando o espaço da linha. Já não faz uma reprodução, mas escreve seu nome sem ajuda, falando letra por letra, depois lê o resultado. Uma graça!
Lembro-me de ter sido criticada, certa vez, por alardear ‘pequenos feitos’ de minhas crianças. Mas a senhorita em questão estava errada, preciso corrigi-la: não são pequenos, são grandes feitos! Muito se perderá quando as mães deixarem de se encantar com as descobertas de seus pequenos; quando se esquecerem de voltar ao universo infantil para compartilhar da alegria genuína que só as crianças conseguem sentir na sua plenitude. Quando a jovem crítica tornar-se mãe, entenderá melhor o significado desses pequenos grandes feitos que tanto valorizo. Até lá, entendo e respeito sua limitação devido ao excesso de adultês.
O mais interessante é que, não importa a idade e não interessa a natureza da descoberta, bom mesmo é vê-los dando seus primeiros passos segurando em nossa mão, para logo depois aventurarem-se sozinhos. Sim, pois aprender a ler e a escrever significa descobrir a passagem secreta para a aventura; é subir num tapete voador e simplesmente deixar-se levar ao mundo da fantasia!
Sofia subiu no tapete. Já não lê pelos meus olhos, enxerga com os seus! Por enquanto, reconhece apenas seu nome. Logo reconhecerá o mundo. E, se mantiver o interesse pelo aprendizado, virá o dia em que deixará de escrever letras... Escreverá histórias! Ou melhor, a sua própria história e, quem sabe, a História de seu país, a exemplo da brava juventude brasileira e seus ousados cartazes. Segue firme, minha menina! E eu sigo aqui, com minhas corujices.

Suzy Rhoden
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...