terça-feira, 4 de novembro de 2014

Topo da Lista dos Desejos


Aproximava-se o Dia das Crianças e, como de praxe, fomos à Feira do Livro de Gravataí procurar os presentes solicitados pelos pequenos. Sério, eles pedem livros, isso nem é mais novidade.

Novidade foi ouvir do marido um pedido em tom de súplica:

- Quero presente no Dia das Crianças.

Tudo bem, pensei eu. Teve infância difícil, pai ausente, irmãos menores praticamente por criar. Tudo isso no interior, onde os brinquedos dificilmente chegavam. Vai pedir carrinho movido por controle remoto.

- Não, não quero carrinho.

Ai, lá vem ele de novo com a história do arco e flecha! Extravagância a essa altura da vida também não, com três pequenos para criar, vestir, alimentar, educar... Não vai ficar gastando dinheiro em arco profissional, quando já passou longe a idade de competir nas olimpíadas.

- Nem lembrava mais do arco! Não é isso, não.

Comecei a ficar curiosa. Marido não tem o hábito de ficar pedindo coisas, quando quer vai lá e compra. Não viria pedir justo a mim material de pesca, sabendo que o respeito em seu passatempo preferido, mas que morro de dó dos peixinhos e jamais providenciaria, para agradá-lo, tal tipo de presente.

- De fato, jamais pediria material de pesca a ti, não te preocupa.

- Mas então fala de uma vez, criatura!   Se continuar enrolando desse jeito, vai acabar ganhando livro como as crianças – disse eu sarcasticamente, conhecendo o marido avesso a leituras que tenho em casa.

- É isso mesmo que quero, um livro.

- UM LIVROOOO?!

Justiça seja feita, marido sempre foi leitor de gibi, revista, jornal. Mas corria léguas de um clássico. Trocava as histórias escritas pelas  contadas através de filmes e séries, das quais entende como ninguém. Dizia não ter paciência para acompanhar lentamente um livro, quando o filme mostra tudo em detalhes em poucas horas. Mas pescador convicto falando em falta de paciência merece algum crédito? Pois é...

Fato é que algo mudou drasticamente, a ponto de colocar um livro no topo da lista dos desejos do marido. O calor do dia estaria afetando seu raciocínio? Ou seria algum tipo de penitência? Olhei em volta, em busca de respostas, talvez alguma capa...

E o que vi foi um trio encantado, abrindo livros e devorando histórias. O entusiasmo de nossas crianças com a literatura transbordava, contagiava! Bastava observá-los para querer entrar no mundo deles e sair desvendando mistérios, revelando segredos. Como poderiam subir no tapete mágico e partir sem nós?! Iríamos juntos naquela aventura, em família, estava decidido! Nossos filhos eram a resposta.

Marido e as crianças receberam os presentes solicitados. Também recebi os meus, não no Dia das Crianças, mas no aniversário, pouco depois. Livros como presente, para todos, em todas as datas!

Assim, nossa casa tem ficado pequena para tantos livros. E nossa história familiar vem sendo preenchida por muitas histórias...

Suzy Rhoden


A propósito, Uma História de Muitas Histórias é exatamente o tema da 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, que acontece de 31/10 a 16/11/2014. Evento perfeito para maridos não convertidos à literatura, desde que acompanhados por esposa e filhos leitores... Palavra de quem viveu pessoalmente o milagre! Rsrsrs


segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Progressão Escolar: sim, não, ou talvez?


O assunto tem sido foco de estudos diversos no mundo acadêmico, por isso deixo aos profissionais competentes a discussão acerca dos aspectos científicos da chamada progressão escolar. Apresento neste texto a visão pura e simples de mãe de aluno que progrediu. Pura e simples? Definitivamente não foi bem assim.

Sim. Meu filho avançou da pré escola para o 2º ano, saltando o 1º ano escolar. A decisão foi tomada num consenso entre família e orientação escolar. Claro que foi um passo no escuro, já que não sabíamos que efeitos a progressão teria sobre Gabriel. Seguimos em frente, bem fundamentados, aguardando ansiosamente pelos resultados do avanço inesperado.

A ideia de progressão surgiu ao longo do excelente ano pré escolar de Gabriel. Vimos um salto para melhor em seu comportamento, visto que até então era criança agitada e impulsiva. Naquele ano, encontrou a si mesmo e desenvolveu profundo laço de amor e respeito por sua professora – até hoje relembra saudoso o fato de ela nunca ter chamado sua atenção diante dos colegas. A professora Rosi tornou-se a doce referência do início escolar de meu menino. 

Foi ao longo da pré escola, aos cinco anos, que Gabriel descobriu que se juntasse letrinhas teria palavras: aprendeu a ler. Não havia sido iniciado o processo de alfabetização, reservado ao 1º ano, mas Gabriel já lia e queria novos desafios. Seria o mais adequado aprisioná-lo num mundo que  já dominava, limitando sua excursão por novas aprendizagens? 

Não. O aspecto cognitivo não foi base única para a progressão, e sim um conjunto de habilidades já desenvolvidas precocemente por Gabriel. A alfabetização foi apenas um aspecto, dentre vários cuidadosamente analisados. O entendimento foi de que, não havendo discrepância muito grande na idade de meu garoto e seus novos colegas, ele estava emocionalmente preparado para o avanço.

Passei os dois primeiros trimestres deste ano com o coração pulsando mais forte, temendo ter banido da vida de meu filho etapa fundamental para seu sucesso escolar e pessoal. O acompanhamento com a professora da turma e  orientação escolar foi essencial. Vivi intensamente a fase do 'talvez': talvez tenha sido feito o melhor. Talvez não.

Recentemente, obtive o retorno que aguardava e junto com ele a plena certeza: a progressão não foi um atalho forçado, imposto a Gabriel, mas o passaporte que ele precisava para crescer de múltiplas maneiras. 

A regra não vale para todos os alunos indistintamente, porém. Nossas crianças são únicas em sua potencialidade, em habilidades e  limitações. O que serve para um, não serve para todos os outros. A progressão serve apenas para crianças preparadas para tal avanço, crianças que de alguma forma viveram o processo precocemente, para as quais serem retidas a uma turma a qual sua mente não mais pertence seria uma tortura. 

É óbvio que a ausência de um ano inteiro na vida escolar de uma criança deixa suas lacunas. Gabriel, por exemplo, ainda apresenta certa desorganização com seu material, aparenta distração durante explicação da professora, o que nos deixou temerosos num primeiro momento. 

Porém, restou comprovado que seu raciocínio lógico não apenas acompanha a turma, como muitas vezes a ultrapassa. E mais: descobrimos que ele tem a incrível capacidade de aprender sem o foco visual, portanto rabisca no caderno ou brinca com algum objeto durante explanações da professora. Taxamos a atitude de imatura, logicamente. Até recebermos o retorno surpreendente até mesmo para a professora: ele assimila, entende e reproduz a explicação dada!  Portanto, o que inicialmente chamamos de imaturidade pode ser, ao invés disso, memória auditiva em ação: para que ficar parado como uma estátua, com os olhos fixos na professora, se pode brincar com os dedos, vagar o olhar, e aprender ao mesmo tempo?

A experiência com meu filho me deu nova perspectiva. Falamos tanto no respeito às diferenças, mas cobramos do aluno a tradicional postura de soldadinho, pronto para levantar e marchar ao nosso comando. Nossa geração talvez funcionasse melhor assim, mas quem disse que a galerinha da era digital não dá conta de fazer várias coisas ao mesmo tempo? Estarão mesmo alienados do mundo enquanto mergulham no celular? Ou teclam com os dedos, mas captam tudo ao seu redor com a mente aguçada para o aprendizado? 

Não venho desenvolvendo estudos na área, não tenho respostas definitivas. Sou apenas uma mãe que se viu, de repente, vivendo a experiência descrita - uma experiência incrivelmente positiva! Tenho hoje um leitor convicto de sete anos, que me pede livros de presente no aniversário e no dia das crianças. Atualmente, está lendo a série Harry Potter. Não vejo nele um prodígio, mas um garotinho cheio de potencial, como tantos por aí, que precisam que sua potencialidade seja valorizada. 

Quanto ao ano escolar perdido... Será que realmente perdeu? Isso é muito relativo! Seria mais preocupante, em meu entendimento, ver um menino que lê Harry Potter aprendendo, com os colegas de mesma idade, a ler e escrever o próprio nome. Seriam desastrosas as consequências de um menino desmotivado em sala, tenho absoluta certeza. 

Assim, posiciono-me favorável à progressão escolar, quando essa se impõe como uma necessidade da criança. Jamais deverá ser utilizada por vaidade, porém, para satisfazer interesses dos responsáveis: é a própria criança quem deve dizer, através de comportamentos e atitudes, que precisa de novos desafios e terá condições de superá-los. Talvez funcione bem. Talvez não. Nesse assunto, as certezas somente chegam a longo prazo, sinto muito. 

Suzy Rhoden

quinta-feira, 17 de julho de 2014

Dor Convertida em Amor

Arte: Marci Oleszkiewicz
O que dizer a uma mãe que teve de sua princesa arrancada a virtude, maculada a pureza sublime da infância? Alguma palavra, qualquer que fosse, teria sentido?

Não tive a intenção de reabrir a ferida, jamais cicatrizada, porém disfarçada pelo passar dos dias e escondida da própria filha, a vítima imediata da monstruosidade. Mas precisei tocar no assunto.

Chorava sozinha, nas noites sombrias, aquela mãe. Pela manhã, engolia a dor e sorria esperança. Sorria para o futuro que, lutava para acreditar, a filha ainda teria. Mas ela própria se encontrava destruída, não mais vivia: sofria.

Não quis machucá-la outra vez, acordando-a para um pesadelo que fingia esquecer. Onde a realidade era o medo. A revolta. A impotência. A culpa que jamais teve, mas que  atribuiu a si mesma por não ser onipresente e não estar lá, na hora fatal.

Precisei fazer sangrar feridas, contudo, que jorraram na forma de lágrimas de olhos entristecidos. Para que o monstro fosse identificado, apreendido, julgado, condenado pela justiça dos homens e lançado no próprio inferno que ergueu para si, quando escolheu violar a dignidade suprema de uma criança.

Ela, a menina, sofreu a dor na pele. A mãe sofreu a dor da filha na alma. Queria não ter mais de viver, para não enxergar todos os dias sua criança mutilada. Mas precisava, mesmo com a alegria amputada de sua existência, encarar cada novo amanhecer. Por sua angelical menina.

Concluí meu trabalho, com a garganta seca e a voz embargada. A imparcialidade profissional não me obriga a ser desprovida de emoções – felizmente, me emociono! Tenho sentimentos, e eles me impelem para a ação tão bem feita quanto possível. Para que haja justiça. Para que exista a possibilidade de paz em algum futuro ainda distante. Para que se vislumbre a luz, quando tudo que se tem é completa escuridão.

Ela entendeu. Secou as lágrimas e se levantou, estendeu-me a mão e eu estendi um abraço. Ela sorriu! Trancou novamente a dor no coração, e partiu. E eu fiquei com a imagem daquele sorriso gravada em minha memória.

Quanto altruísmo! Revestir-se de força e alento que ela mesma não possui, para ter o que ofertar a  filha amada. Grandeza. Verdadeira coragem. Vitória absoluta do amor sobre a dor.

“Língua alguma é capaz de expressar a força, a beleza e o heroísmo do amor de uma mãe” – Presidente David O. Mckay


Suzy Rhoden

domingo, 13 de julho de 2014

Brasil, País do... Ídolo Fabricado!


Alguém aí aguenta mais um texto sobre os vexames que a Seleção Brasileira protagonizou nos últimos dias? Nem eu, por isso não escrevi antes. Não tenho a menor pretensão de ser comentarista esportivo a esta altura do campeonato, digo, da “Copa das Copas”. Já basta uma série de comentaristas sem noção que figuraram por aí ao longo do mês... Já basta a mídia tendenciosa saturando qualquer torcedor, enfiando goela abaixo aquilo que se quer fazer acreditar. Não agirei da mesma forma com meu leitor.

Mas, paradoxalmente, buscarei na seleção derrotada minha inspiração. Não diziam os antigos que quanto mais alto o pedestal, maior a queda? Foi exatamente o que vi acontecer com o tal País do Futebol. Sim, é meu país, sempre será. Com orgulho pintarei a face de verde amarelo e direi que sou brasileira, em qualquer situação. Inclusive agora, na hora da ressaca futebolística. Mas ser realista é saudável e necessário. Faz bem a um país que há muito porta um título ao qual não faz jus; e, ainda que o fizesse, que vantagem há de fato em portar tal titularidade?!

Vejo idolatria desproporcional a simples desportistas. Acaso são deuses por correrem com  habilidade atrás de uma  bola?! São meros mortais, nem para referência de vida maioria desses garotos serve! Basta avaliar seu histórico de escândalos e inconseqüências... Por outro lado, diante da menor falha são expostos, ultrajados, crucificados. Num dia, ovacionados. No outro, alvos do desprezo de uma nação.

A culpa é nossa, quando fazemos esses meninos acreditarem serem heróis! Jogamos sobre eles pesos que não lhes cabem nos ombros, exigimos um mito nacional. Que foi aquela rasgação de seda diante da fratura do Neymar?! Precisava mesmo de tudo aquilo?

Essa mania de endeusar gera exibicionistas ao invés de profissionais disciplinados. Provoca anseio por ostentação e glamour ao invés de foco, autocontrole e determinação. Mesmo as histórias mais lindas de vida e de superação são logo soterradas pela arrogância de se chegar aonde chegou. Do topo, a vista já não alcança a infância humilde e simplória. A fama fala tão alto que a aridez do caminho é de imediato esquecida. O resultado é o que saturamos de ver nesta semana...

Basta dessa idolatria sem sentido! Que faz com que impere o ‘jeitinho brasileiro’, acreditando-se que no final tudo dará certo e a taça cairá do céu em mãos brasileiras! Não é assim que se fazem grandes conquistas, e sim com trabalho árduo, com foco e diligência. Nosso time teve o que mereceu, ou melhor, deixou de ter aquilo pelo que apenas sonhou e não lutou. E isso não é o fim do mundo, é apenas o recomeço: hora de entender que vence quem joga mais e melhor!

Não estou chorando o fim desta copa e nem a derrota de minha seleção. Nem estimulei lágrimas em meus filhos. Eles torceram por seu país, gritaram esperando gols que não vieram na hora mais necessária. Mas entenderam que jogos são ora vencidos, ora perdidos. E não ficaram traumatizados com o desfecho vexatório de sua seleção na primeira copa de suas vidas.

Espero, justamente, que lembrem de que só vence quem segue com garra até o final. E, mesmo com garra, às vezes haverá outro time ou outra pessoa com mais habilidade, mais experiência, maior capacidade. Aí tem de entrar em campo a persistência: seguir praticando, treinando, aperfeiçoando. Não há tempo e nem espaço para estrelismos, esse é o primeiro indicativo de fracasso futuro.

Foi-se a copa e não faz mal, como disse outrora Drummond. Quem sabe não seja  hora de esquecermos um pouquinho das referências do futebol e olharmos para outros profissionais que, anonimamente, erguem nossa nação todos os dias?

Mais do que isso, me parece ser  hora de deixarmos a arquibancada e a posição cômoda de torcedores, para nos engajarmos em causas que valham a pena: se queremos bons exemplos, sejamos nós essa referência plena de brasilidade em qualquer lugar que nos encontremos. Em qualquer profissão.

Quando vencermos a tradição de fabricar ídolos, estaremos finalmente aptos a falar de ordem e progresso. Saberemos, coletivamente, fazer progredir uma nação, ao invés de projetar expectativas  num heroi idealizado.

Suzy Rhoden

domingo, 29 de junho de 2014

Virar o Jogo

Imagem da internet

Pouco entendo de futebol, por pura falta de paciência para ficar duas horas acompanhando o vaivém da bola para lá e para cá. Aos cinco minutos iniciais já estou entediada, querendo saber por que o gol ainda não saiu. Coisa de mulher? Não, tem muita mulher moderna discutindo futebol de igual pra igual com seu sexo oposto. É coisa minha mesmo, questão de desinteresse pessoal.

Mas em tempos de Copa do Mundo, a história é outra. Impossível não vestir a amarelinha e não vibrar, ou sofrer, com nossa seleção. Tudo bem que a Copa veio em hora indesejada, como uma intrusa cheia de pompa, esbanjando e esnobando num país que há tempos anda mal das pernas: não avança, não progride, não cresce naquilo que precisa crescer. Não foram os nossos jogadores, porém, que trouxeram a fulana para dentro de casa. Ela veio, e convidada, por quem tem o poder de decisão neste país. Para os primeiros, é justa a torcida, a manifestação positiva; para os segundos, outubro é o mês do acerto de contas.

Com esse pensamento, estou aqui na torcida, sim, e não me envergonho disso. Aproveito, inclusive, para dar uma espiadinha nos futuros adversários de nossa seleção brasileira. Espiadinha, já falei, pois não agüento tanto tempo sentada, fazendo nada. Hoje, no entanto, fiquei presa ao final eletrizante de México x Holanda. Não é que a Laranja Mecânica empatou aos 42 minutos do 2º tempo, e ainda virou o jogo nos acréscimos finais, eliminando de vez o México desta Copa?!

Ficou evidente pra mim que a equipe soube administrar suas emoções diante da iminente derrota. Não ficaram atabalhoados em campo, confusos frente à situação adversa. Pelo contrário, renovaram as forças e foram à luta, com um único foco: a vitória. Só essa lhes servia.

Quem acreditaria que virar o jogo seria possível a três minutos do fim da partida? Empatar, ainda. Mas virar? E viraram. De imediato me veio à mente  imagem veiculada pela mídia ao longo da semana, que me pareceu muito bonita: ao invés da tensão da concentração às vésperas das importantes partidas, a seleção holandesa confraternizava com a família! Cada jogador com os seus, e todos unidos num mesmo local, compartilhando alegrias. Vi garotinhas chutando a bola para seus pais famosos, casais namorando e rindo felizes um para o outro. E mais: em dias de treino, lá estavam as mães com seus filhos, acenando para os pais em campo, vibrando com cada gol.

O repórter explicou que tal interação familiar não é novidade, faz parte da tradição holandesa: aonde os jogadores vão, levam consigo a família. Fiquei pensando: estaria aí o segredo da Holanda nesta Copa? Uma das favoritas para o título, embora não apresente um futebol espetacular, mostrou hoje a que veio. Fez o impossível tornar-se possível. Será que jogaram pelas esposas, aflitas, na arquibancada? Pelos filhos, talvez, aos quais prometeram a garra e os gols. Seja lá qual tenha sido sua motivação, deu certo.

E nós, como reagimos aos 45 minutos do segundo tempo, diante de iminente fracasso? Quando a vida, de modo aparentemente injusto, parece apenas nos proporcionar gols contra, o que fazemos? Onde vamos buscar a motivação necessária para seguir lutando e acreditando até o apito final do Juiz Supremo?

Tenho minhas respostas, elas foram construídas não apenas de vitórias. Ouso dizer que as derrotas foram, justamente, as que me ensinaram mais. Hoje me sinto capaz de virar o jogo a qualquer momento, inclusive no minuto extremo de uma partida. Por vezes, preciso de uma prorrogação, como precisou nesta semana nosso Brasil. Mas sigo em frente e, se preciso for, vou para os pênaltis. Não me entrego, não me dou por vencida.

Minha base, contudo, é holandesa: família. É neles – marido, filhos, pais, irmãos – que encontro o poder para virar o jogo. É deles que vem tudo que me move para mais e para além. É por eles que  enfrento os revezes da vida sem recuar. Família é a base de toda vitória, dentro ou fora dos estádios de futebol.

Suzy Rhoden

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Bagagem

Imagem Google

Tantas vezes me perco na correria dos dias que, confesso, esqueço qual é de fato  meu grande objetivo. Corro tanto, me viro do avesso, me desdobro... pra que mesmo?! Gerar bens, produzir riqueza, fazer patrimônio? Ou trabalho dia após dia para comer, beber e festejar com todo luxo e  pompa que o dinheiro pode proporcionar? Pra me vestir elegantemente e atrair olhares de inveja de outras mulheres, e de cobiça de todos os homens? Para jantar nos mais caros restaurantes e sair deles saciada, mas com a alma vazia? Pra que, afinal?!

Tenho uma lista de respostas prontas, mas nenhuma delas silencia a verdade que ressoa dentro de mim: corro muito pra nada, sigo pra lugar algum, se essa corrida significa o sacrifício completo do meu tempo junto àqueles que amo. Não verei resultado, além de um amontoado de bens e minha descendência em guerra por causa deles. Melhor, nessas circunstâncias, será partir e não olhar pra trás.

Algum dia – e esse dia virá para todos nós – reivindicarei os minutos e os segundos de vida que, clamarei, me foram roubados pelo tempo! E então, aturdida, verei em 4D, no telão de minha memória, que em nada fui lesada a não ser por minhas próprias escolhas erradas. Gastei tempo onde não devia, depositei amor naquilo que com o tempo perecia.

Se hoje esbanjamos juventude, amanhã alguma ruga teimosa dirá que se aproxima a hora da partida. Mesmo que a ruga e o cabelo branco sejam rechaçados, com os milagres da indústria de cosméticos, o corpo naturalmente envelhecido mostrará que já não acompanha o ritmo acelerado do cérebro. Vimos isso em nossos avôs, relutamos em perceber em nossos pais, e algum dia sentiremos na própria pele. É fato, requer aceitação.

“Pra que pensar nessas coisas?!” Dirá alguém, indignado.  Preferimos evitar o assunto e fazer de conta que a passagem chamada morte não existe. Mas não adianta, o dia chega. Em algum momento ele nos alcança. E então, que teremos na bagagem?

Uma coleção antiga de desgostos, talvez. Mágoas já amareladas pelo tempo, possivelmente. Realizações profissionais, sucessos variados, prêmios e troféus, mas nenhum amigo para quem se gabar de tantas vitórias, nenhum descendente a quem nossas conquistas possam interessar. Ou, pior, talvez se interessem sim pela nossa conquista, pelo que adquirimos, e não por quem de fato nos tornamos ao longo da vida. Na mala, no fim das contas, restará apenas solidão.

Faz tempo que não me acompanha a necessidade de desfilar novos  modelitos no trabalho, nem me causa sofrimento a ausência de indagações como “onde você comprou?”, ou exclamações do tipo “arrasou, amiga!” Mas podem me perguntar se tenho lido e conversado muito com meus filhos; se tenho me dedicado a fazer temas escolares com eles e a prepará-los para as provas da escola e da vida; se os tenho ensinado a orar, estudar as escrituras, crer em Deus e respeitar  seu próximo. Melhor ainda, perguntem isso a eles, sei o que dirão.

O trabalho enobrece e dignifica, eu particularmente amo trabalhar. Adquirir riquezas, por meios lícitos, é justo, bom e desejável. Mas formar caráter é mais importante ainda. Gastar minhas preciosas horas oferecendo informação correta para meus filhos é privilégio, jamais tempo perdido.

Dentre tantas, educar minhas crianças numa fé cristã é minha maior prioridade. Pois tudo aqui é efêmero, findará quando menos se espera e se deseja. Exceto o conhecimento que adquiriram, esse os acompanhará nesta e na próxima vida. Quero que, no seu devido tempo, cheguem do outro lado do véu conhecendo seu Deus e seu Salvador Jesus Cristo. Não quero em meus filhos expressão de surpresa, enquanto balbuciam: Vocês existem mesmo?! Quero que saibam desde agora em quem confiar, e a quem recorrer em tempos difíceis, e a quem agradecer em tempos de dádivas!  A fé não será apenas um coringa para os momentos de desespero, e sim a rocha sobre a qual edificarão seus alicerces e sobre a qual estarão fundamentados todo o tempo.

“Tão despropositado esse assunto, em meio a festa da Copa do Mundo!” Não são assim os caminhos, interrompidos bem no meio de uma alegria? Os diagnósticos não esperam a colação de grau do filho na faculdade, os acidentes acontecem sem hora marcada. A tragédia bate a nossa porta quando menos esperamos. Preparados o suficiente, nunca estaremos, mas nada teremos a lamentar se tivermos preenchido nossa mala de lembranças com pertences de real valor. O remorso não nos ferirá com seu tiro certeiro.

Erramos ao acreditar que haverá tempo para fazer as malas e partir deste mundo. Maioria das vezes não há. Não sobra tempo para um pedido de desculpas, um adeus, um eu te amo. E então, com que nos apresentaremos diante de Deus?

Agora peço licença: tenho de preencher minha mala de viagem com outras coisas boas, além de escrever. A jornada segue, a vida continua. Aqui e além.


Suzy Rhoden

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Um Sorriso para o Futuro


Dividida entre os próprios pensamentos e a atenção às filhas que brincavam na pracinha, Lívia nem percebeu passarem as horas. Geralmente participava das brincadeiras das meninas, mas também tinha o cuidado de promover oportunidades de interação entre elas, sem a sua excessiva interferência. Realista, sabia que algum dia poderia vir a faltar e gostaria que, então, as garotas já compreendessem a responsabilidade que uma tinha em relação a outra.

Nessa tarde, deixou-as brincarem livremente. Da mesma forma que livres ficaram também seus pensamentos para voarem, sem escalas, do presente para o passado, e do passado diretamente para o futuro. Olhou-se com outros olhos. Viu-se, atemporal, vivendo ora melhores, ora piores momentos.

Interessante como o passado amargo já não doía! E como o futuro incerto de alguns anos atrás, agora era seu alegre presente.

Clarissa tinha menos de três anos e Júlia ainda estava em seu ventre quando conheceu a dor do abandono. O marido, esquecido dos convênios matrimoniais, simplesmente foi embora. Sem uma discussão, sem um adeus. Sem uma chance de recomeço.

Viu-se só, da noite para o dia, com uma criança nos braços e a outra dando sinais de querer vir ao mundo. Houve, claro, suporte emocional da comunidade condoída, mas não era o suficiente: faltava-lhe um pedaço. Sem o marido, sentia-se apenas metade. Uma metade arranhada e rasgada, inútil nesta vida.

Culpou-se. Pois o mundo ensina que a culpa é sempre da mulher: “não foi boa o bastante, tornou-se mãe e esqueceu-se de ser esposa, era péssima dona de casa”. Mas como culpar alguém a quem não foi dada chance de mudança?! “Ora, devia ter sido mais atenta aos sinais de desinteresse do companheiro!” Sinais não significam nada, erra-se na interpretação o tempo todo! Se não foi homem o bastante para expressar em palavras o que o incomodava, esperando um milagre da companheira assoberbada, foi certamente um covarde egoísta. Pulou do barco que afundava, deixando mulher e filhas náufragas, sem sequer tentar oferecer-lhes um bote salva-vidas!

Junto com a culpa, instalou-se a depressão. Não era um não querer mais viver, e sim um não enxergar como viver. Apagou-se a luz de repente, e tudo ficou escuro. Queria ter vontade de gritar, andar, bater, chorar, correr. Mas não conseguia sequer querer qualquer coisa. Morreu por dentro por inanição de amor.

E aí voltou a culpa, dessa vez projetada pela sociedade: Fraca! Não se ajuda. Fica chorando pelos cantos por causa de um homem, ao invés de cuidar das filhas. Imatura. Por isso ele a deixou!

Do futuro, sorriu para o passado: fraca é essa sociedade machista, que se atribui poder de julgamento. Nada sabe de sentimentos, de doença da alma. Como pode um coração ferido, antes de alcançar a própria cura, distribuir bálsamo aos outros?! Ainda que esses outros sejam os próprios filhos.

Para os outros, foi apenas mais um divórcio, dentre os tantos que se presenciam hoje em dia. Para Lívia, foi o fim de tudo em que acreditava e para o que viveu até então: uma família eterna. Em sua cabeça, não entrava a possibilidade de um ponto final, pois até mesmo a morte ela compreendia como uma vírgula apenas e não um fim. Encerrava-se a sua história, não cabiam mais palavras, nem pontos, nem nada.

Até que um dia, Lívia acordou com o canto dos pássaros. Abriu a cortina e percebeu o sol. Não resistiu e abriu também a janela, deixando seu quarto ser completamente inundado pela luz solar. Nesse dia, Lívia sorriu do passado para o futuro: havia vencido seus dias de luto, estava pronta para recomeçar.

Sentada no banco da praça,  pensava nas cobranças que são projetadas sobre a mulher em processo de  separação. Que tempo terá ela para viver e soterrar sua dor, se a todo instante tem de dar explicações ao mundo exterior? Mulheres recém divorciadas precisam de tempo, de calma, de trégua. Olhares apiedados não servem para nada. Conselhos direcionando o foco para as crianças são inúteis, pois que boa mãe  não sabe disso? Ela sabe, mas ainda não consegue, precisa se reestruturar. Precisa assimilar o fim, para enxergar a vírgula que vem depois dele.

Subitamente, o presente de Lívia veio despertá-la da atemporalidade:

- Querida, trouxemos flores pra você!

Otávio e as meninas sorriam, cada um com uma flor do campo nas mãos. Ele esteve todo o tempo a observá-las, para que ela pudesse ter alguma privacidade sem ser incomodada. Era o marido dos sonhos, e um grande companheiro na educação das crianças. Era o amigo de todas as horas. O amor que veio depois da vírgula.

Onde estava esse homem maravilhoso, que demorou tanto a encontrar? Sabia bem a resposta: esteve todo o tempo a esperá-la no futuro, mesmo quando ela não podia vê-lo do passado. E agora viviam um eterno presente.


Suzy Rhoden

sábado, 31 de maio de 2014

Nasce um Escritor


Sento-me à escrivaninha para escrever, mas pouco escrevo.  Tenho companhia. Não é meu acompanhante, porém, quem me distrai: é justamente sua concentração que me rouba de meu próprio texto.

Meu filho nº 2 escreve ao meu lado. Com o canto do olho, observo seus dedos ágeis, deslizando do início para o fim da linha, numa intimidade absoluta com as palavras! Intimidade que me deixa um pouco constrangida, pois a gente cresce e desaprende a escrever: fica horas olhando para a tela em branco, caçando em algum compartimento secreto da mente um fiozinho de inspiração, para persegui-lo e num repente jogá-lo no espaço vazio.

Meu menino de sete anos não tem esse problema. Escreve o que lhe vem aos lábios sussurrantes – batalha ou batalia?, pergunta ele para si mesmo. Quando penso em dar-lhe a resposta, percebo que os dedinhos já tomaram uma decisão: seguem, resolutos, seu percurso de linhas e parágrafos. Não se demora no tropeço da grafia, quer mesmo é contar de uma vez sua história.

Vocabulário não lhe falta, observo, enquanto seu texto se forma. A impressão que tenho, sinceramente, é de que está usando todas as palavras – não sobra nenhuma pra mim! São todas súditas dele, meu escritor em desenvolvimento, em franca expansão de talentos.

Subitamente, os olhos negros e grandes como bolitas repousam sobre a tela branca a minha frente: “Mãe, cadê teu texto? O meu já está quase pronto!”, e sorri com satisfação. Com a dignidade de um exímio escritor, cumpridor de sua responsabilidade.

Intimidada, reservo-me ao silêncio que me cabe. Como vou competir com imaginação tão fértil e tão pura?! Se minhas palavras, para existirem, precisam ser selecionadas e lapidadas, enquanto as dele simplesmente fluem...

Não sou boa o bastante, há muito deixei de ser menina. Preocupo-me com enfeitar a história, por isso às vezes fico muda: pura falta de acessórios! Meu garotinho, pelo contrário, preocupa-se apenas com o prazer de contar.

E conta com tamanho encantamento, dando vida a suas criações, que as batalias – sem lh – tornam-se meros entretenimentos  rumo ao grand finale de seu herói ninhja – com nh. Objetivos  atingidos, alguém duvida?

Que cresça, mas não desaprenda o que realmente importa. Que seus tropeços sejam sempre insignificantes, diante do tamanho de sua criatividade!

Suzy Rhoden


domingo, 18 de maio de 2014

Como Nasce um Leitor

Arquivo Pessoal
Das alegrias que trago na vida, uma das maiores é ter três filhos leitores. Mas como se deu o milagre, afinal? Como nasce um leitor?
Não há manual e muito menos fórmula mágica, isso é consenso. Mas existem caminhos que irão aproximar nossos filhos dos livros, os famosos estímulos. Daí ao apaixonar-se é uma questão de tempo: cada criança tem o seu momento.
Uma amiga, por exemplo, postou em seu blog Diariamente que descobriu seu livro favorito aos 13 anos, com o romance Música ao Longe, de Érico Verissimo. Por coincidência, esse mesmo livro marcou também minha vida: significou minha transição da literatura infantil para a juvenil. Por dias, andei com a personagem Clarissa rumo a maturidade,  descobrindo, tal qual a protagonista, novos sentimentos dentro de mim. Clarissa foi verdadeiramente uma companheira de descobertas em minha adolescência.
No entanto, meu nascimento como leitora se deu mais cedo, com obras praticamente desconhecidas, das quais sequer lembro os autores! Os Desastres de Sofia ocupa espaço importante em minha estante mental; Memórias de um Burro era o inesquecível livro que líamos em grupo, na biblioteca da escolinha; A série Vagalume  veio com toda força por volta de meus 10 anos, e foi fatal: fez de mim, além de leitora, uma devoradora de livros!
Não cito os clássicos, embora eles tenham surgido posteriormente em minha vida e tenham fortalecido meu gosto pela leitura. Mas cito obras de meu interesse na época, que me fisgaram por alguma razão. Considero esse um ponto fundamental para que se nasça genuinamente um leitor: interesse pessoal pelo assunto. Alguns gostam de ficção, outros de matéria jornalística. Uns se apaixonam por contos e crônicas, outros só vêem encanto na poesia. Que assim seja no primeiro momento! Pois depois de nascido o leitor, ele aproveitará, de alguma forma, qualquer coisa escrita que lhe cair nas mãos.
Pais conscientes preparam o caminho. Quem, ao descobrir-se grávida, optaria por um livro como o primeiro presente a ser comprado para seu primogênito? Minha amiga, já citada acima, o fez. Que linda maneira de dizer em gestos: filho, além de  dar-te a vida,  dou-te o mundo. Toma, descobre-o por ti mesmo!
Outra amiga, Pedagoga, sentenciou: somos para eles o espelho. Se lemos e expressamos prazer na atividade de leitura, eles tenderão a experimentar o mesmo. Um ambiente acolhedor e interativo geralmente é fatal: eles viciam!
Meus filhos já estão viciados, tive hoje a prova: Sofia pediu-me para ler uma história de sua escolha, enquanto seus irmãos olhavam desenho animado. Na mesma hora em que abrimos o livro, os meninos pausaram o desenho e se aproximaram. Um deles para protestar: “Mãe, estou na metade desse livro! Se você ler pra Sofia, já saberei a história”. Sugeriu que escolhêssemos outro livro, e assim o fizemos. Sem que tenham sido convidados, juntaram-se a nós e passamos um maravilhoso tempo juntos, cada um lendo um parágrafo.
Ainda que os interesses mudem com o passar dos anos, e que a leitura não aconteça com a mesma avidez, estou certa de que, formado o pequeno leitor, ele não mais  abandonará o hábito da leitura:  descobertas as asas, elas serão sempre usadas.
Não há, portanto, um milagre: um leitor não nasce da noite para o dia. Mas, conforme os estímulos que recebe, vai se desenvolvendo e se autoafirmando. Bons professores na escola lapidam esses leitores em formação, refinam o gosto, ampliam a visão e a interpretação.
Bem cedo na vida, teremos o retorno do tempo investido: eles farão questão de ler pra nós! Serão pássaros que voam longe, que voam alto, mas que farão questão de voltar para o ninho. O ato de ler para nossos filhos ensina também a gratidão.

Suzy Rhoden

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Mãe em Tempo Integral


Tive férias diferentes neste ano. Férias em casa. Pois aconteceram em período letivo: as crianças não estavam apenas em aula, mas em período de avaliações.

Aparentemente, eu não teria nada a responder aos colegas, quando curiosos me crivassem de perguntas do tipo: ‘E aí, o que fez? Para onde viajou? Que lugares conheceu e explorou? Quais  peças, shows, espetáculos assistiu?’

Mas eu tenho, sim, todas as respostas. Nesses dias, eu fiz ser mãe em tempo integral. Foi a melhor e mais prazerosa viagem de toda minha vida! Conheci melhor meus próprios filhos – sem despesas com vôo, hospedagem, restaurante... E por falar em restaurante, conheci melhor os livros de culinária que empoeiravam em casa. Foi divertido baixar receitas novas da internet e deixar os pequenos participarem das descobertas... Por milagre, acabaram as férias e a cozinha não explodiu! Ou ela só não explodiu porque já acabaram as férias...

Explorei parques, zoológicos, sítios, fazendas, e tudo de que três crianças precisam para gastar energia nos finais de semana. Melhor ainda foi a exploração do universo deles, que se deu muitas vezes dentro das paredes de nosso próprio lar: vi o quanto crescem em estatura, inteligência e sabedoria! Observei e fui observada, ensinei e fui ensinada.

Empreendemos uma curta viagem, numa verdadeira aula prática de História da Família: visitamos minha cidade natal, passando pela casa onde fui criada, a escolinha onde aprendi a ler, e daí à escola maior, onde concluí  meus estudos primários. Aproveitei para reencontrar familiares e amigos de infância, primos que não via há muitos anos, tios tão queridos.  Que viagem poderia ser mais marcante para minhas crianças do que lhes oferecer sua própria história familiar, suas origens?

O mais especial, contudo, foi assistir de camarote às melhores ‘peças’ de minha turminha – eu mesma presenciei, não foram trazidas a mim pelos olhos da babá ou da professora.  E não apenas assisti, mas participei ativamente: maioria dos shows foi interativo, envolveu a família inteira!

Nesse curto prazo – pois eu queria que durasse para sempre – vi meu filho, de sete anos recém feitos, transformar-se em leitor devorador de livros! Sim, eu o vi avançar para a fluência absoluta na leitura através dos livros que ganhou de presente ou que trouxe da biblioteca da escola. E, descobrindo-se capaz de ler sem tropeços, eu o vi ler um livro inteiro numa única noite – livrão para o seu tamanho – gritando entusiasmado do quarto, a cada etapa vencida: manheee, virei mais uma folha!

Vi esse mesmo menino sair correndo para procurar, dentre seus livros infantis, O Pé de Pilão, quando ouviu Mario Quintana ser citado em reportagem na TV, na data que marcava os vinte anos da morte do escritor: queria mostrar para os colegas e a professora o poeta preferido da mamãe.

Também vi meu primogênito lendo poesia e arriscando seus próprios versos. Um garoto até então muito tímido, mas que correspondeu ao desafio da professora da Primária a preparar seu próprio discurso para o grupo. Lemos, debatemos, oramos por inspiração, e ele redigiu seu texto. Depois, apresentou-o para a classe. Tão confiante estava naquele domingo que, para minha grande surpresa, me perguntou se poderia compartilhar o mesmo discurso na reunião geral, para todos os membros da igreja!

Ainda ouvi de minha menininha que quer ser professora na escola onde estuda, uma professora de balé. Tão pequenina e já sabe ensinar, de forma surpreendentemente didática, as primeiras noções e os primeiros exercícios de uma bailarina... Deu-me aulas diversas em casa!

Acompanhei os temas escolares, às vezes por manhãs inteiras. Incentivei-os nos estudos para as provas e cobrei comprometimento e resultados, como uma mãe que ama precisa cobrar. Foi maravilhoso ser mãe nas 24h do meu dia!

A boa notícia é que agora retorno ao trabalho, mas entendi que posso continuar sendo mãe em tempo integral. Pois mães que trabalham fora também podem ser mães presentes, que acompanham de perto a rotina dos filhos!

É uma escolha, naturalmente. Requer sacrifícios, como uma vida social menos intensa, ou pelo menos uma vida pautada por atividades limitadas. O adiamento da pós, mestrado ou doutorado por mais alguns anos, talvez. Mas vale a pena, claro que vale! Para ver de perto o processo de crescimento de um ou muitos filhos.

Como estamos atentas a função que exercemos em nossa empresa ou instituição, não confiando a outros a parte específica que nos cabe, também precisamos ter o cuidado de não terceirizar nossa prole. Nós os trouxemos a terra, a educação deles nos cabe. É nosso sagrado privilégio. Deve ser nossa absoluta prioridade.

Que outros nos ajudem, quando necessário. Mas que a designação divina de MÃES seja sempre nossa, com muita alegria e gratidão no coração. FELIZ DIA DAS MÃES PARA TODAS NÓS!
(Siga o link para ouvir uma canção especial)

Suzy Rhoden

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Infância Roubada II – O Conto


Nasceu pobre de recursos. Mas essa não foi a maior pobreza que o acompanhou na vida: nasceu pobre de afeto, rejeitado pela mulher que o gerou. Do pai nunca teve notícias, nem, crescido, desejou ter dele qualquer informação. Sabia o suficiente: além de rejeitá-lo, o pai intentou também matá-lo.

Dado a outra, para que o criasse, entendeu ainda no berço a maternidade, biológica ou não, como um laço feito de interesses ao invés de amor. Tinha, no lar adotivo, uma referência masculina, um pai de criação. Um homem que, na época de enviá-lo para a escola, julgou mais conveniente ofertar sua mão de obra em alguma fazenda local. Portanto, para o menino, definiu-se a paternidade  como sinônimo de exploração.

Empregou-o a própria professora da escolinha rural, mulher de “nobre” coração.  Tão generosa era que até copiava no caderno do aluno/empregado a lição diária , para que à noite, sozinho, sem qualquer auxílio, sob a luz do lampião, o menino fizesse as tarefas escolares - e tinha a obrigação de fazê-las bem feitas, pois Exigência era o sobrenome da Sra. Generosa!

Quatro horas da manhã, levantava-se o menino de sete anos. De pés descalços, atravessava os campos brancos de geada reunindo o gado. Sentia frio? Não sabia ao certo, não compreendia na prática o verbo sentir, nunca lhe fora dado esse direito. Apenas ia, fazia o que o tinham mandado fazer: buscar o gado e preparar as vacas leiteiras para a ordenha manual. A ordenha também era tarefa sua. Depois devolvia o gado ao campo, separando os bezerros de suas mães, para que fosse preservado o leite a ser ordenhado novamente no final do dia.

E seguia a lista interminável de tarefas a serem cumpridas por aquele menino, desprovido de tudo, até dele mesmo. Cansado, retornava para casa ao final do dia, onde o aguardavam os temas escolares. Tinha de resolvê-los.  Sozinho. Sem ajuda de pai, nem de mãe, nem de professora.

Ao final do mês, recebia seu dinheirinho suado, que era entregue integralmente ao pai  que o empregou. Por sinal, além de ensinar ao filho de criação o valor do trabalho, esse pai também ensinava a evitar o desperdício: jamais deu ao filho uma bala, um pirulito, um chiclete... desde quando criança precisava disso?! O dinheiro era para suprir as despesas da casa e, claro, para o traguinho diário no boteco, pois todo homem trabalhador tem seus direitos adquiridos...

Cresceu o menino. Sem amor, sem abraço, sem pai, sem mãe. Sem leis, sem proteção. Sem infância. Sem adolescência. Sem referência.

Tão logo cresceu, se multiplicou. E hoje ele está por aí, não apenas nos botecos rurais, mas também nos bares das cidades. Bebendo e brigando e matando. E furtando para poder beber mais. E para se drogar, pois com a multiplicação veio também a modernização... E, claro, ofertando suas crianças para fazerem qualquer coisa, em troca de qualquer coisa...

Não foi essa a lição que mais insistentemente lhe ensinaram a vida toda? Que não passava de uma moeda de troca, inútil para uns (pais biológicos), relativamente útil para outros (pais de criação, professora). Lição assimilada é lição passada adiante.

Suzy Rhoden

*Lamentavelmente, esta é uma história inspirada em fatos reais. E esse menino, propositadamente sem nome, é apenas um dentre tantos que circulam por aí, bem ao nosso lado...



terça-feira, 21 de janeiro de 2014

A Ditadura do Verão


Nesta semana, uma amiga, cansada do calor intenso que assola nosso Rio Grande do Sul, postou no Facebook, com intenções de protesto: “Quem precisa de verão?!” Senti-me na obrigação de opinar, em defesa de todos os veranistas convictos: “Eu preciso!” E preciso mesmo, é fato. Eu amo o verão.

Mas muita calma nesta hora: o fato de amar o verão não significa que eu concorde com essa absurda ditadura da estação, que impõe corpos sarados e bronzeados, enfiados em fio dentais tamanho infantil – para não mencionar os indignantes top lesses, com o único fim de não preservar marquinha. Verão para mim não tem a ver com essa necessidade extrema de exposição – nem ao sol, nem ao mundo. 

E por falar em exposição, escandalizei o litoral gaúcho no último mês: tive a ousadia de desfilar pelas areias de maiô. Maluca, doida varrida. Pois maiô é coisa de pessoa acima dos 150 anos ou dos 150 quilos, não é essa a concepção? Não me considero um exagero, nem em idade e nem em quilos, portanto sou “padrão biquíni”. Mas quem disse que quero ou que preciso mostrar meu corpo? Quem se importa com partes não bronzeadas escondidas debaixo da roupa? Eu não. Não mesmo.

Interessante observar que o recato no vestir é muitas vezes associado a falta de vaidade ou de cuidado com a aparência. Como se cobrir as partes íntimas fosse coisa de mulher desleixada ou “fora do prazo de validade”. Às jovens e em forma, impõe-se o clichê: “o que é bonito é pra ser mostrado”. E mostra-se à vontade, não mais apenas no “horário nobre” da televisão brasileira! 

O cúmulo do culto ao corpo, por sinal, é aquela aberração que está no ar mais uma vez, na Rede Globo. “Heróis” de um zoológico humano desfilam suas formas físicas exuberantes enquanto revelam em rede nacional sua estupidez mental. Mas a ignorância dos playboyzinhos não deve incomodar seus telespectadores: para acionar a TV num programa do tipo, a cabeça não deve mesmo funcionar muito bem...

Excedi-me nos julgamentos, expus-me demais até aqui. Quem dera, a sobrexposição fosse apenas intelectual, de seres humanos afoitos em compartilhar seu conhecimento, suas convicções... Mas faz-se exatamente o contrário: fio dental na praia e burca no que se refere a envolvimento com projetos sociais, voluntariado. Mostrar o corpo é glamoroso, mas mostrar a cara em grandes causas, quem quer?

Que fique claro: aparência e cuidado com o corpo são fundamentais, é uma expressão visível de amor próprio. Mas daí a vulgaridade há uma linha que precisa ser claramente demarcada. Admiro profundamente mulheres que sabem ser elegantes sem serem ofensivas em seu modo de vestir, que são capazes de atrair atenção mais por sua perspicácia do que por suas formas esculturais – embora as tenham e preservem. Admiro quem sabe ser conveniente e reservar sua sensualidade para momento oportuno.

Se a ditadura do verão impõe corpos perfeitos, bronzeados, e vestes mínimas, com convicção me declaro rebelde. E seguirei malhando, mas usando meu maiô na praia, sem medo de parecer ridícula ou ultrapassada. Nunca fui a favor da ditadura, não seria agora que eu me renderia. E viva o verão! 

Suzy Rhoden 



Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...